Quando Edson Barboza aplicou um chute cinematográfico em Terry Etim, o inglês caiu desacordado no octógono do UFC Rio, como se fosse em câmera lenta. Enquanto os brasileiros comemoravam surpresos, um bigodudo de 60 anos invadiu o ringue em disparada. Seu nome é Jacob “Stitch” Duran e ele é o mais famoso “cutman” (homem dos cortes) da organização. Sua especialidade é cuidar de cortes e estancar sangramentos, mas, no caso de Etim, fez os primeiros socorros e logo o inglês estava de pé. Foi apenas mais um dia de trabalho, e cumprido com sucesso.
Foi com este estilo que combina mãos firmes, tranquilidade e simpatia que ele conquistou os lutadores do UFC. Em especial os brasileiros. Ao relatar alguns de seus maiores momentos na profissão, ele não fala necessariamente de sangue. Sua maior lembrança são gestos recebidos depois do calor de um combate.Em um meio cheio de estrelas, dos lutadores ao chefão Dana White e passando pelas ring girls, o trabalho de Stitch é de um simples operário. Apesar de estar constantemente dentro do octógono, nem sempre ele é notado pelos fãs de MMA, mas o mesmo não acontece com os lutadores. O norte-americano de origem mexicana é quase um funileiro, responsável por evitar sinais da batalha no rosto dos “gladiadores”, mas por outro lado deixa outro tipo de marcas. Em cada round, ele não só estanca lesões e combate inchaços, mas tenta passar calma para a volta à ação dos seus pacientes, dando sua contribuição para o resultado final.
Um abraço de Anderson Silva, um “parabéns” de Wanderlei Silva e ser chamado de pai por Lyoto Machida são exemplos disso, mostrando também sua adoração pelos brasileiros.
Em entrevista , Stitch contou estes “causos” que viveu desde sua entrada no UFC, junto aos irmãos Fertitta e a Dana White, explicou um pouco de sua profissão e os motivos por escolher este trabalho tão singular para sua vida. Confira:
Hoje você é o cutman mais conhecido do UFC. Mas, de onde surgiu seu interesse pelo mundo das lutas?
Jacob Stitch Duran: Tudo começou em 1974, eu ainda era um garoto. Estava com a Força Aérea dos Estados Unidos em uma divisão na Tailândia e comecei a treinar taekwondo com meus companheiros. Depois disso, alguns instrutores começaram a nos ensinar muay thai. Quando retornei aos Estados Unidos, passei a aprender boxe, porque tinha as pernas boas e queria evoluir os membros superiores, e acabei abrindo minha própria escola de kickboxing. Passei a trabalhar com boxe como técnico, empresário e também “cutman” - o que era mais uma parte desta engrenagem.
E de cara você se interessou por cortes e sangue?Quais foram os primeiros passos para virar um profissional?
Poucas pessoas fazem isso e eu queria aprender tudo. Aprendi a colocar as bandagens nas mãos dos lutadores e, passo a passo, fui vendo o que era ser um cutman, até me mudar para Las Vegas em busca do sonho de seguir isso como uma profissão.
Olhe, são muito poucos cutmen no mundo, talvez dez ótimos profissionais. O que gosto, na verdade, é que posso fazer a diferença quanto a uma luta ou um lutador. Eu amo isso. Quando mudei para Las Vegas, ainda trabalhava com boxe e conheci Dana White. Nós treinávamos atletas, estávamos só tentando ganhar o dinheiro dos nossos aluguéis. Um dia ele pediu meu cartão e, pouco depois, me ligou. “Compramos o UFC, você está interessado em ser nosso cutman?”. Me levou só um segundo para decidir e mudar toda a minha vida.
Você assistiu a toda a explosão do UFC, como foi vivenciar este crescimento?
Quando eu comecei no UFC, só haviam 12 caras. O jogo evoluiu do preconceito a se tornar um dos maiores esportes do mundo. Em um momento acho que as pessoas entenderam que são gladiadores, mas que eles têm o cuidado das melhores pessoas do mundo.
Voltando a falar de sua profissão, qual é o segredo para ser um bom cutman?
É engraçado falar em segredo. Quando eu estava aprendendo a ser um cutman, não havia escolas e ninguém para se aprender. Uma vez vi um profissional fazer um grande trabalho e resolvi perguntar o que ele fazia. Ele disse: “vai se f..., é meu segredo e vou levar para meu túmulo! Você terá de aprender sozinho, como eu fiz”. Aquilo foi um choque, mas prometi nunca ser como ele. Sou um instrutor de artes marciais, meu papel é ensinar. Eu fazia bandagens nas minhas próprias mãos e até tenho uma cicatriz no pulso. Uma vez eu estava sozinho, cortando os esparadrapos, e acabei arrancando um pedaço de mim mesmo. Começou a sangrar e eu pensei: “caramba, estou cortado”. Mas mantive a calma, “sou um cutman”. Fui à geladeira, peguei meus equipamentos e me costurei. Considero esta marca uma mensagem divina de que eu tinha de ser um cutman.
Você tem de agir no calor do momento. O lutador pode estar com grandes cortes, ou sangrando muito enquanto comemora uma vitória. É complicado?Mas não há uma especialidade médica ou na área de enfermagem. Como fazer, então?
Eu falei com médicos, li muito sobre sangue e sobre o sistema vascular para conhecer onde cada veia e artéria passa. Entendi também sobre medicamentos e como eles funcionam. Se tivesse algumas palavras para definir o trabalho de um cutman seriam a agilidade, calma e ter seu equipamento. E você não pode ficar com as mãos tremendo ao ver um grande corte.
Não, é bem fácil trabalhar com os lutadores. Eles sabem que eu estou lá para ajudá-los. O Vitor (Belfort) disse uma coisa muito legal: “Stitch, quando você entra no octógono, mesmo que esteja trabalhando no outro corner tem um efeito de acalmar a todos”. Isso é uma coisa que eu trago, eles sabem que posso tomar conta deles. Eu os trato como meus filhos.
Quem são seus lutadores favoritos, ou que combates você tem marcado como memoráveis?
É difícil falar em melhor ou maior luta, se você me perguntar sobre um lutador, eu posso te contar uma história.
Conte algo sobre Anderson Silva, então, que parece nunca se cortar. Você estava com ele no combate contra Chael Sonnen?
É verdade, ele nunca sofre cortes! Contra Sonnen ele teve uma grande luta. Eu só posso entrar no octógono quando um lutador está realmente ferido, ou inchado. Ele levou muitos golpes de Sonnen, então eu disse: “vou entrar”. Logo ao fim do primeiro round eu entrei e cuidei dele. Fui lá e coloquei gelo em todos os intervalos. E ele acabou ganhando. Numa luta depois, não lembro em que cidade, eu chegava a um hotel e ele estava com uns 20 fãs, tirando fotos e dando autógrafos. Ele pediu para aquele pessoal esperar, caminhou até mim e me deu um abraço, sem dizer nada. Ele só me deu um abraço e me disse só isso: “obrigado”.
Você já está com 60 anos. Ainda prevê mais um bom tempo como cutman?O que significou para você?
Quando ele estava em problemas, eu fiquei ao seu lado. É aquele calma que eu trago para o octógono. No terceiro round ele já reclamava de dores na costela (N.R.: Anderson lutou com uma fratura na costela). Mas eu o mantive firme. Aquele abraço significou muito para mim, assim como uma história com Lyoto Machida. O pai dele é um cara que respeito muito, um grande mestre em artes marciais, com um ar muito sério. Depois de ele vencer Rashad Evans e se tornar campeão do UFC, ele estava no vestiário e falou em frente ao pai: “Stitch, quando eu estou no ringue, você é meu pai”. Essas palavras vêm do coração dos lutadores.
Eu acabei de fazer 60 anos em 29 de dezembro. E tenho uma história sobre esta data. Uma certa ocasião, Wanderlei Silva enfrentou Chuck Liddell em Las Vegas. Era meu aniversário, e umas duas semanas antes comentei isso com ele. No dia da luta, trabalhei com Liddell e, ao fim da luta, foi limpá-lo. Depois, me voltei a Wanderlei, que é um amigo, para ver como ele estava. Era uma das maiores lutas da carreira, ele perdeu, mas olhou para mim e disse: “Estou bem. Ei, Stitch, parabéns”. Foi uma grande honra. Quanto à idade, acho que ainda vou durar bastante. Enquanto estiver com saúde e puder me manter fazendo diferença no octógono, não vou deixar este esporte.
Por fim, como foi a sensação de trabalhar aqui no Brasil, com a torcida barulhenta do UFC Rio?
Foi fenomenal. Já fui para todo o mundo. Canadá, Japão e Austrália sempre tê grandes públicos, mas o que vi aqui foi muito especial. A energia foi enorme. Vitor já havia me falado: no Brasil, você é um cara famoso. Mas eu pensei: “ah, bobagem”. E cá estou dando autógrafos e tirando fotos. Todos me trataram muito bem e espero voltar muitas vezes.
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